“O conhecimento teórico é a base da prática clínica, mas não prediz o que o médico sabe realmente fazer e o que fará em sua rotina de trabalho”
“Ser um bom técnico não equivale automaticamente a ser um bom profissional.”
“Adquirir hábitos clínicos inteligentes é o patrimônio mais apreciado de todo profissional. Esse patrimônio somente pode ser mantido com uma luta constante contra a preguiça”.
As videogravações de consultas são um recurso utilizado para analisar o desempenho do profissional, com determinado objetivo, e representam o PADRÃO-OURO do ensino de comunicação, pois permite a visualização de aspectos de comunicação verbal e não verbal. Propiciam um método de aprendizado centrado no discente, que objetiva melhorar suas habilidades de comunicação, e não avaliar outros aspectos da consulta, como por exemplo diagnóstico e conduta.
As primeiras filmagens de entrevistas clínicas surgiram em Amsterdam, em 1954, com fins de pesquisa, e depois seu uso foi generalizado, sobretudo no Reino Unido, onde foi desenvolvida a metodologia de problem based interview (PBI, entrevista baseada em problema). Na Espanha a filmagem de consultas é OBRIGATÓRIA para os residentes do terceiro ano de Medicina de Família da maioria das unidades docentes do país. No Brasil, algumas escolas médicas já utilizam as videogravações na graduação e pós-graduação com fins de aprendizado, pois a observação das consultas permite aos alunos reverem suas atitudes e comportamentos, possibilitando a discussão de cada postura assumida, e sua relação com as emoções que surgem durante a consulta.
Nos estudos brasileiros que analisam a forma de conduzir as consultas médicas, descrevem-se deficiências semelhantes àquelas encontradas na literatura internacional, de que os alunos são pouco capacitados para obtenção de dados sociais e psicológicos nas entrevistas médicas. Nesse sentido a análise das consultas filmadas torna-se uma excelente ferramenta para o desenvolvimento dessas habilidades, e o relato dos participantes dessas sessões é de que elas mudam suas práticas por estimularem a capacidade de “ver-se atuar” nas consultas posteriores aos encontros, promovendo uma prática mais reflexiva e com a sensação de melhoria nas próprias habilidades de comunicação na relação clínica.
As filmagens devem ser realizadas com a câmera visível e autorização explícita dos protagonistas (paciente e médico), com o feedback devendo ocorrer de preferência o mais próximo possível do ato médico visualizado na gravação. O Consenso de Zaragoza estabelece a necessidade de que a pessoa seja informada e assine um consentimento autorizando a filmagem da consulta.
Os vídeos devem ser guardados com muito cuidado por parte da instituição e do profissional que protagonizou a consulta, devendo ser destruídos após sua análise. Caso haja alguma cena adequada para a docência, tenta-se reproduzi-la através de atuação, para posteriormente ser discutida e analisada.
A logística da gravação também é importante, devendo-se escolher de preferência uma consulta mais ampla, com a sala sem ruídos e bem iluminada. Recomenda-se evitar a contraluz, e priorizar a visualização do profissional, pois esse será o objeto preferente da nossa atenção.
Existem duas grandes metodologias para comentar videogravações: o já mencionado PBI e o método de visualização global (MVG).
O MVG consiste em visualizar a totalidade ou a maior parte da entrevista para capturar as intenções e os propósitos dos protagonistas, as estratégias usadas para dar resposta às demandas da pessoa e o resultado final da entrevista. Esse método tem duas partes: o eixo emocional (analisando o tom emocional da entrevista através das características emocionais de superfície e as profundas, como a assertividade) e o eixo cognitivo-comportamental . Assim, o MVG é considerado um método de macroanálise, pois permite a análise da globalidade do encontro, permitindo que o protagonista desenvolva um sentido estratégico na condução da entrevista, percebendo a agenda do paciente desde o início da entrevista.
Já o PBI, por sua vez, é uma estratégia de microanálise da entrevista, em que seus detalhes são explorados, em que predomina o processo acima do conteúdo. No entanto, as duas metodologias podem ser usadas para analisar um mesmo vídeo, por exemplo, o PBI nos primeiros minutos da entrevista e depois visualiza-se o restante do vídeo com MVG.
Dessa maneira, as características do método PBI podem se resumir como:
1. É um método altamente centrado no discente, pois a consulta é analisada conforme a demanda da pessoa que traz o vídeo. Neste sentido, o grupo deve ajudar a pessoa a seu pedido, reforçando os aspectos positivos da interação e apontando soluções concretas aos pontos que o protagonista queira melhorar, convertendo-se em uma verdadeira sessão de feedback em grupo.
2. O controle da sessão recai sobre todos os participantes por igual, mas com a presença de um coordenador do grupo, e cedendo sempre a palavra em primeiro lugar à pessoa que traz a videogravação. Deste modo, qualquer um dos participantes pode pedir para interromper o vídeo diante de uma situação observada que chame atenção, fazendo com que se multipliquem os “olhos atentos” ao que está sucedendo, dificilmente passando despercebido. No entanto, a figura do coordenado deve ser a mais atuante neste sentido: deve estar atento ao grupo, não permitindo que passe muito tempo sem que façam intervenções (sempre e quando a análise seja desejável, o que não ocorreria se fosse decidido visualizar o vídeo todo de uma vez desde o princípio) e por outro lado assegurando que as interrupções ocorram conforme a demanda do protagonista do vídeo e não por interesses próprios da pessoa que pede para interromper o vídeo (o que é muito comum).
3.Trata-se de um modelo de aprendizagem altamente evocativo, pois permite a todos os participantes expressarem sua ideias e opiniões sobre a situação (sempre de uma maneira construtiva,e nesse sentido a figura do coordenador é nuclear para reconverter intervenções que possam denotar o contrário). Isso permite que, diante de um mesmo problema, surjam tantas possíveis soluções quantas intervenções sejam feitas, o que enriquece muito a análise (e de novo aqui é crucial a figura do coordenador coordenando as intervenções, assegurando-
se de possibilitar a todos que queiram participar façam-no, e resumindo depois para devolver ao grupo).
4. Deve-se falar exclusivamente de aspectos relacionados à comunicação. Desse modo, não são analisados a aspectos clínicos da interação, como a adequação do diagnóstico e tratamento ao caso. Analisamos sempre a RELAÇÃO clínica. E como é de se supor, as agendas mais presentes podem ser como gerir o tempo da consulta, como melhorar a intervenção para centrar-se mais no paciente, como dar uma má notícia, como interagir com o estudante ou o residente. Muitas vezes a agenda não está estabelecida de maneira totalmente definida, e então a pessoa que protagoniza o vídeo nos pede que observemos sua relação com o paciente e estejamos atentos a uma situação que tenha lhe parecido difícil mas que não sabe definir, e então o grupo lhe auxilia no exercício da prática reflexiva, o que nos permite melhorar continuamente.
se de possibilitar a todos que queiram participar façam-no, e resumindo depois para devolver ao grupo).
4. Deve-se falar exclusivamente de aspectos relacionados à comunicação. Desse modo, não são analisados a aspectos clínicos da interação, como a adequação do diagnóstico e tratamento ao caso. Analisamos sempre a RELAÇÃO clínica. E como é de se supor, as agendas mais presentes podem ser como gerir o tempo da consulta, como melhorar a intervenção para centrar-se mais no paciente, como dar uma má notícia, como interagir com o estudante ou o residente. Muitas vezes a agenda não está estabelecida de maneira totalmente definida, e então a pessoa que protagoniza o vídeo nos pede que observemos sua relação com o paciente e estejamos atentos a uma situação que tenha lhe parecido difícil mas que não sabe definir, e então o grupo lhe auxilia no exercício da prática reflexiva, o que nos permite melhorar continuamente.
Referências:
1 Tratado de Medicina de Família e Comunidade: princípios, formação e prática. Org.: Gustavo Gusso, José Mauro Ceratti Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2012. Vol I. Cap. 48. Utilização da filmagem de consultas para o aprendizado.